sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O Porquê do Roxo

Quando entrei para a FFUL diziam que esta era a Faculdade dos Frustrados da Universidade de Lisboa. Ora, se por um lado eu fui das que ponderou medicina, nunca percebi muito bem porque haveria de me sentir frustrada no curso que escolhi.
Pus-me a pensar sobre o assunto e acho que a resposta, para o meu caso, está na infância.
Em miúda, quis ser muitas coisas: jornalista, professora, bancária, cozinheira... Curiosamente e ao contrário da maioria das meninas, nunca quis ser cabeleireira. Mas um dia, os meus pais ofereceram-me uma prenda que mudou o meu imaginário infantil. Literalmente.
Quando tive a certeza que o que tinha à minha frente era um microscópio, delirei. Esqueçam lá as entrevistas, as fichas de avaliação corrigidas criteriosamente a vermelho, os cheques a brincar e os bolos de areia enfeitados com pedrinhas. O que passou a ter piada foi observar gotas de sangue (que o desgraçado do meu pai me cedia gentilmente depois de eu lhe esfregar os dedos com álcool), pedaços de bolor desfocados, asas de insectos, cabelos... Enfim, tinha descoberto que conseguia ver coisas pequeninas, daquelas que mais ninguém conseguia ver. E achava-me a maior.
Depois disto as minhas brincadeiras mudaram radicalmente. As bonecas começaram a andar com arranhões, braços partidos, febres e um conjunto de outras doenças para as quais eu fazia análises (com as dádivas fantásticas do meu pai) e lhes dava medicamentos. Este fascínio pelos medicamentos tornou-se tão sério que, um dia, me levou a estragar aquele que durante grande parte da minha infância foi o meu boneco favorito. Lembram-se do Nenuco? Aquele que se limitava a fazer bolhinhas com a boca? Pois, eu tinha um desses. Andava sempre com ele. Acho que foi o boneco que mais febres, arranhões e outros que tal teve durante esta fase.
Ainda assim cansei-me de o curar de doenças que eu imaginava. Até que um dia, esta mente brilhante que vos escreve, concluiu: "se ele faz bolhas, só pode estar doente da boca".Peguei num bocado de pão, fiz um comprimido e decidi curá-lo. De vez! A minha mãe não ficou muito satisfeita. Disse que eu o tinha estragado... Cá para mim, no auge dos meus 4 anos, ele estava curado!
Depois disto a curiosidade aumentou e as brincadeiras reforçaram-se. Desde Smarties, que consoante a cor curavam qualquer dor, a fingir que fazia pomadas e xaropes, nunca deixei de ser uma mini-farmacêutica.
Por isso não, não me considero frustrada. Depois da infância e do interesse em medicamentos que estas brincadeiras me incutiram. Depois de ver que neste curso também se "brinca" com microscópios e também se fazem comprimidos, só posso estar feliz! Este é o curso da minha vida!
Porquê o Roxo? Não podia ser outra cor!

(Texto publicado na revista Pharmacevtica nº57 da AEFFUL, Outubro de 2010. Escrito a 9 de Setembro de 2010)

1 comentário:

  1. Até fiquei arrepiada quando li o que escreveste! Esse também é o curso da minha vida e aquele que sei que mais me iria realizar fazer. Depois até podemos não fazer bem aquilo que imaginamos, mas o curso, em si, é muito bom. Pelo menos para pessoas como nós, que tiveram um microscópio como prenda na infância.
    Vais ser uma grande farmacêutica, porque és farmacêutica por vocação e convicção!

    ResponderEliminar

Vamos lá reflectir...